terça-feira, 23 de julho de 2013

m

“The day had been spent in the expectation of these hours, and now they were crumbling away, becoming, in their turn, another period of expectancy...It was a journey without end, leading to an indefinite future, eternally shifting just as she was reaching the present.”
― Simone de Beauvoir, The Mandarins

domingo, 10 de julho de 2011

são estragos sem reparação

quero poder cheirar-te.
eu já soube escrever,
eu já soube tanto (nada);
agora, a minha vida é cheia de recordações,
e eu estou farta de que tudo seja reconhecer  -
quero sentir.
não fugi.
odeio não trancar a porta - entras -,
mas tenho de o fazer, porque já não consigo pensar.
vou dormir e esquecer que existes.
eu quero a cama.
quero ar, o teu ar;
deixa-me tocar-te antes de ires.

a vida é reconhecer, é relembrar - deixou de ser viver. quero o teu cheiro, para que tudo em mim normalize.

sábado, 11 de junho de 2011

agressão e conforto

à noite. prefiro-me durante a noite: onde a luz não existe e não necessito de abrir os olhos para ver.
à noite. prefiro-me durante a noite, antes de adormecer. quando amanhece, quando acordo, já não sou eu.
à noite. continuo a preferir-me à noite. tenho febre. eu, sempre Eu.

tenho olhos de vidro e eles estão a partir com o tempo. os pedaços vão caindo e eu vou-me esgotando.

sou quase nula e a verdade de que me alimentava deixou de ser uma alternativa - envolveu-me, maldita seja; tornou-se vontade, carimbo nos meus gestos e nos meus actos. a razão despedaça-me e sinto-me agredida pelo meu pensamento que a ela se uniu e me deixou. todos me deixaram. é escandaloso como sou completamente sozinha, egoísta e infértil.

sou onde o tudo e o nada andam de mãos dadas e são felizes e é garantido que, efectivamente, não me mereço. o fingimento que por mim é provocado e que me coloca no papel de vítima seca-me a garganta. preciso de beber e estou (sempre) à procura dos restos. mas que merda é esta?

amanhece.

domingo, 8 de maio de 2011

voz alta

silêncio. estou a divagar e a minha cabeça pesa, ando com ela de um lado para o outro, estou a pendurá-la no pescoço e fecho os olhos, coloco a cabeça para cima, já não tenho cabeça, a minha boca está ligeiramente aberta, estou a respirar, a minha expressão é estática, feita de gesso e tiro os óculos para não conseguir ler aquilo que escrevo e já não sei em que parte do meu raciocínio vou. afastei todos de mim porque queria o seu silêncio. mas ele mete-me medo, ele assusta-me, possui-me e tanto faz com que me perca, como com que me encontre. e leio todas as palavras que escrevo - aliás, mexo os lábios como que se as estivesse a ler. nada é nítido. mordo os lábios suavemente, estão secos. fujo do que encontro, mas não procuro nada, é mentira quando dizem que procuro, eu só sei encontrar, sempre fui boa nisso, é a única coisa que sei fazer, isso e silêncio, silêncio, silêncio. passei muitos silêncios à frente. sou eu, agora, que lhe mordo os lábios e o torno mudo. cabrões todos. solto o cabelo e volto a casa e no caminho perguntas se me chamo alguma coisa, digo, eu não tenho nome, soo a chão, tu vais embora. lembro-me que me esqueci de pensar e não te vi mais, gostava de saber como descobriste que és muitos. não sei respirar de cor, não sei respirar de cor. maldição.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

i

"e foi então
que eu fiz ir tudo pelo ares
porque no meu corpo
não se toca nunca"

Antonin Artaud

não tocarás

segunda-feira, 25 de abril de 2011

bukowski em Factotum

Nothing is worse than to finish a good shit, then reach over and find the toilet paper container empty. Even the most horrible human being on earth deserves to wipe his ass.

domingo, 24 de abril de 2011

cem

Entro e saio, nunca sei bem onde vou. O que sei é que estou constantemente à tua procura.
Dentro e fora de mim.
Não te conheço, mas saber-me-á bem quem quer que sejas.
Na minha vida, a tua personagem não tem falas, não pensa. Limitas-te a existir.

Nunca serei suficientemente louca para me dirigir a ti e tão pouco saberás em que dia isto começou. Tudo o que há agora, não havendo, efectivamente, nada, é suficiente.
Pouco me importam as questões que colocarias se isto fosse do teu conhecimento – tornar-me-ia louca aos teus olhos, mas não seria condição que me incomodasse.

Nada te devo agora.
Veneno. Amor.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

s

I was never really insane except upon occasions when my heart was touched.

sábado, 9 de abril de 2011

é cedo e estou nua ao sol

é cedo. estou nua, ao sol.
quando logo for de noite,
estarei novamente nua
sobre uns lençóis de areia
onde me enterrarei para me encontrar.

sabes o que estou a dizer? estou à tua procura.
não, não me perdi de mim - isso seria ridículo
e faria de ti mais minúsculo que os olhos de uma formiga.

poderia eu cansar-me?

é claro.

terça-feira, 29 de março de 2011

lugar

esqueci o cheiro e nunca apareço à hora marcada.
sei que me apontas o dedo quando falo de nada.
mas olha, se há filas de gente cheia de ideias à tua frente
porque insistes em tirar-me o ar que há na cara
e porque é que fazes sempre bem o teu serviço?

pegas em água e vais-te embora.
nem sequer espreitas quando te digo que não.
odeio-te porque és tu que existes quando preciso de dizer que amo alguém.

e se o amor não fosse tão ridículo e eu não te amasse,
dir-te-ia mais vezes que sim.

tu sabes que prefiro permanecer quieta e amar-te de longe só por preguiça.

domingo, 6 de março de 2011

ser sozinha x 1000

Al Berto

serão talvez nove horas
mas eu estarei irremediavelmente longe
a rádio corre anúncios de sabonetes e detergentes
o irritante 'pi' do sinal horário
suspiras ao pegar no envelope
e apenas o teu suspiro te parecerá deslocado
de resto
há muito que os teus dias são o decalque uns dos outros

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

calmantes ao meu cérebro, quero que ele paralise hoje. durante e depois do sono. só agora e até amanhã.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

sábado, 2 de outubro de 2010

retornado

ir embora
não deixa de ser
ir a algum lado.
embora
ir embora
possa ser voltar
ao sítio
de onde se veio.
não esquecendo nunca
que ir embora
nos torna
o sítio de retorno
diferente.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

equestre - que se faz a cavalo

se é para montar monta nela
com toda a tua força de vontade.
se é para montar monta nelas
elas gostam que tu montes nelas todas
com vontade.
elas gostam de ficar na fila
a fingir que acreditam nas tuas
mentiras piedosas
porque querem que montes nelas.
querem sentir-se éguas e ficar loucas
com a tua pujança de cavalo.
monta nelas e
mata-as
pelas costas
quando já não te der prazer montar.
espeta-lhes
agora
com a
faca!

por Manuel Cruz, na música "Uma historinha"

(...)
ele gosta de se vir na boca dela
ela gosta de levar uma estalada
ele espreita-as pela janela
ela quer uma família
sexo anal pela manhã
ele gosta mesmo é da irmã
ela vê pornografia
e mesmo assim à luz do dia
os dois esperam uma vida sã
(...)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

5 minutos

acordo com umas dores de cabeça sem retorno.
são milhares de tiros de todos os lados que começam
no momento em que abro os olhos e
se acentuam quando me levanto ou acendo luz.
dói-me a cabeça do sono.
pois então seria melhor não dormir
não descansar
já que quando durmo não descanso?
dói-me estar deitada
e pensar que tenho de me levantar
e ainda mais quando tem de ser depressa -
perco a vontade
embora continue a ter a certeza de que
neste caso
é ela que me possui e não eu a ela.

uma massagem não me tira as dores
e engana-me
assim como pensar que é só mais uma vez
entre muitas outras.
hoje não queria ter de acordar
para não pensar
para não ouvir gargalhadas sublimes que não consigo imitar.
hei-de de descobrir por a + b o que se passa com o meu sono
com a minha cabeça que dói e se queixa quando acordo.
não me quero levantar.
quero dormir:
só mais 5 minutos!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

posso?

escolhi ser sozinha
quando ainda não sabia ser sozinha.
o erro do tempo não o cometo
porque não o tenho assim tanto -
o pouco que tenho dá-me o poder
de ser o que quero
e de escolher.

ainda.

por Al Berto

"(...)
sabes
por vezes queria beijar-te
sei que consentirias
mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado
porque os beijos apagam o desejo quando consentidos
foi melhor sabermos quanto nos queríamos
sem ousarmos sequer tocar nossos corpos
hoje tenho pena
parto com essa ferida
tenho pena de não ter percorrido teu corpo
como percorro os mapas com os dedos teria viajado em ti
do pescoço às mãos da boca ao sexo
tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro
acordado
perto de ti as noites teriam sido de ouro
e as mãos teriam guardado o sabor de teu corpo
ah meu amigo
estou definitivamente só
estou preparado para o grande isolamento da noite
para o eterno anonimato da morte
mas perdi o medo
a loucura assola-me
preparo a última viagem às Índias imaginadas
disseram-me que só ali se pode descansar da vida
e da morte
perscruto a razão profunda desta viagem
ou talvez seja já a torna-viagem o que vislumbro
e não valha a pena partir porque já estou de volta
sem o saber
hesito em deixar-te escrito mais do que um simples adeus
de qualquer maneira por muito longe que me encontre
se pousares a tua mão sobre a minha testa senti-lo-ei
esse gesto aliviar-me-á de todas as dores
a manhã aproxima-se cortante
ouço barcos largarem do cais
preparo a lâmina
estendo velas em agonia uma lâmina de vidro
para fender as águas imperturbáveis do dia sem bússola
destruo cartas papéis manuscritos outros sinais
destruo imagens que me chamam e me querem reter aqui
releio estas poucas palavras para ti: child of the moon
debaixo das cerejeiras uma serpente antiga adormeceu
em tuas mãos de pétalas lunares
movem-se astros em cima da alba da pele
olharemos os insectos perfurarem a treva da noite
e tecerem claridades
mas já não tínhamos mais noite a desvendar
lembro-me
a cidade está cada vez mais rente à nossa separação
caminhamos em direcções opostas
ou melhor
eu caminho enquanto tu não existes
a noite aproxima-se com seus territórios de sombra e fábula
areias penumbras oscilantes apagando resíduos de corpos
teu corpo minúsculo arrefece dentro de mim
quando as feras despertam nos olhos abandono-me
à lama colorida dos terrenos vagos
dói-me a voz ao chegar aos lábios
os dedos penetram o metal cintilam
conchas abertas ao sonho
onde terei abandonado a nossa paixão?
(...)
vou abandonar-te no lado claro da noite
onde o tempo é um fio de luz rasgando a espessura do corpo
vou partir
com estas manchas de frutos sorvados no coração
para sempre vagamundo
no corredor de espelhos sem tempo deixo-te o sonho
onde já não arde nenhum rosto nenhum nome
nenhuma voz de silente treva
nenhuma paixão (...) "

excerto de "Tabacaria", por Fernando Pessoa

(...)
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.
(...)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

o sapato, o pé e a meia, o estômago

o sapato, o pé e a meia, o estômago
vazio. o maço largado no chão.
foi-se. deixou de matar.
era o favorito entre os maus mas está
debaixo de uma telha negra a soluçar
de lágrimas e a pedir tréguas ao frio.
foi-se. deixou de matar.
é vazio. perdeu-se, saco roto,
a deambular pelas ruas. e foi quando bradou:
por favor!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

por Mário Cesariny

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa sacode.
Não sei se fodo tudo
Ou se tudo me fode.

A brisa é o lago a ir
A uma ideia de mar.
Não sei se me ate a rir
Ou desate a chorar.

Trémulos vincos medonhos
Cercando a água toda,
Porque fiz eu dos sonhos
A minha única nódoa?

arrasta que está gasta

está gasta a palavra
está gasto o pedido
estão gastos os gestos.
estou gasta e arrasto o medo
porque sem ele não vivo.
arrasta e empresta.
está gasta e já não presta.
a caneta, a pasta, arrasta
que já não se segura em pé.
é noite
quer sucumbir durante o sono
dizer basta!
quer que a sorte deixe de ser madrasta
e que
durante o sono
se torne mãe.