segunda-feira, 18 de outubro de 2010

sábado, 2 de outubro de 2010

retornado

ir embora
não deixa de ser
ir a algum lado.
embora
ir embora
possa ser voltar
ao sítio
de onde se veio.
não esquecendo nunca
que ir embora
nos torna
o sítio de retorno
diferente.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

equestre - que se faz a cavalo

se é para montar monta nela
com toda a tua força de vontade.
se é para montar monta nelas
elas gostam que tu montes nelas todas
com vontade.
elas gostam de ficar na fila
a fingir que acreditam nas tuas
mentiras piedosas
porque querem que montes nelas.
querem sentir-se éguas e ficar loucas
com a tua pujança de cavalo.
monta nelas e
mata-as
pelas costas
quando já não te der prazer montar.
espeta-lhes
agora
com a
faca!

por Manuel Cruz, na música "Uma historinha"

(...)
ele gosta de se vir na boca dela
ela gosta de levar uma estalada
ele espreita-as pela janela
ela quer uma família
sexo anal pela manhã
ele gosta mesmo é da irmã
ela vê pornografia
e mesmo assim à luz do dia
os dois esperam uma vida sã
(...)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

5 minutos

acordo com umas dores de cabeça sem retorno.
são milhares de tiros de todos os lados que começam
no momento em que abro os olhos e
se acentuam quando me levanto ou acendo luz.
dói-me a cabeça do sono.
pois então seria melhor não dormir
não descansar
já que quando durmo não descanso?
dói-me estar deitada
e pensar que tenho de me levantar
e ainda mais quando tem de ser depressa -
perco a vontade
embora continue a ter a certeza de que
neste caso
é ela que me possui e não eu a ela.

uma massagem não me tira as dores
e engana-me
assim como pensar que é só mais uma vez
entre muitas outras.
hoje não queria ter de acordar
para não pensar
para não ouvir gargalhadas sublimes que não consigo imitar.
hei-de de descobrir por a + b o que se passa com o meu sono
com a minha cabeça que dói e se queixa quando acordo.
não me quero levantar.
quero dormir:
só mais 5 minutos!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

posso?

escolhi ser sozinha
quando ainda não sabia ser sozinha.
o erro do tempo não o cometo
porque não o tenho assim tanto -
o pouco que tenho dá-me o poder
de ser o que quero
e de escolher.

ainda.

por Al Berto

"(...)
sabes
por vezes queria beijar-te
sei que consentirias
mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado
porque os beijos apagam o desejo quando consentidos
foi melhor sabermos quanto nos queríamos
sem ousarmos sequer tocar nossos corpos
hoje tenho pena
parto com essa ferida
tenho pena de não ter percorrido teu corpo
como percorro os mapas com os dedos teria viajado em ti
do pescoço às mãos da boca ao sexo
tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro
acordado
perto de ti as noites teriam sido de ouro
e as mãos teriam guardado o sabor de teu corpo
ah meu amigo
estou definitivamente só
estou preparado para o grande isolamento da noite
para o eterno anonimato da morte
mas perdi o medo
a loucura assola-me
preparo a última viagem às Índias imaginadas
disseram-me que só ali se pode descansar da vida
e da morte
perscruto a razão profunda desta viagem
ou talvez seja já a torna-viagem o que vislumbro
e não valha a pena partir porque já estou de volta
sem o saber
hesito em deixar-te escrito mais do que um simples adeus
de qualquer maneira por muito longe que me encontre
se pousares a tua mão sobre a minha testa senti-lo-ei
esse gesto aliviar-me-á de todas as dores
a manhã aproxima-se cortante
ouço barcos largarem do cais
preparo a lâmina
estendo velas em agonia uma lâmina de vidro
para fender as águas imperturbáveis do dia sem bússola
destruo cartas papéis manuscritos outros sinais
destruo imagens que me chamam e me querem reter aqui
releio estas poucas palavras para ti: child of the moon
debaixo das cerejeiras uma serpente antiga adormeceu
em tuas mãos de pétalas lunares
movem-se astros em cima da alba da pele
olharemos os insectos perfurarem a treva da noite
e tecerem claridades
mas já não tínhamos mais noite a desvendar
lembro-me
a cidade está cada vez mais rente à nossa separação
caminhamos em direcções opostas
ou melhor
eu caminho enquanto tu não existes
a noite aproxima-se com seus territórios de sombra e fábula
areias penumbras oscilantes apagando resíduos de corpos
teu corpo minúsculo arrefece dentro de mim
quando as feras despertam nos olhos abandono-me
à lama colorida dos terrenos vagos
dói-me a voz ao chegar aos lábios
os dedos penetram o metal cintilam
conchas abertas ao sonho
onde terei abandonado a nossa paixão?
(...)
vou abandonar-te no lado claro da noite
onde o tempo é um fio de luz rasgando a espessura do corpo
vou partir
com estas manchas de frutos sorvados no coração
para sempre vagamundo
no corredor de espelhos sem tempo deixo-te o sonho
onde já não arde nenhum rosto nenhum nome
nenhuma voz de silente treva
nenhuma paixão (...) "

excerto de "Tabacaria", por Fernando Pessoa

(...)
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.
(...)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

o sapato, o pé e a meia, o estômago

o sapato, o pé e a meia, o estômago
vazio. o maço largado no chão.
foi-se. deixou de matar.
era o favorito entre os maus mas está
debaixo de uma telha negra a soluçar
de lágrimas e a pedir tréguas ao frio.
foi-se. deixou de matar.
é vazio. perdeu-se, saco roto,
a deambular pelas ruas. e foi quando bradou:
por favor!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

por Mário Cesariny

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa sacode.
Não sei se fodo tudo
Ou se tudo me fode.

A brisa é o lago a ir
A uma ideia de mar.
Não sei se me ate a rir
Ou desate a chorar.

Trémulos vincos medonhos
Cercando a água toda,
Porque fiz eu dos sonhos
A minha única nódoa?

arrasta que está gasta

está gasta a palavra
está gasto o pedido
estão gastos os gestos.
estou gasta e arrasto o medo
porque sem ele não vivo.
arrasta e empresta.
está gasta e já não presta.
a caneta, a pasta, arrasta
que já não se segura em pé.
é noite
quer sucumbir durante o sono
dizer basta!
quer que a sorte deixe de ser madrasta
e que
durante o sono
se torne mãe.